" Sinceramente, eu imagino lá no longínquo 17 de Fevereiro de 1907, dia em que o Sport Lisboa venceu por 1-2 o Carcavellos, Manuel Gourlade e Fortunato Levy, treinador e capitão, respectivamente, a provocarem os ingleses do Cabo Submarino com dois dedos em forma de vitória. "
Tenho noção desde
esta primeira linha que este texto poderá ser polémico. Não escrevo neste
espaço faz já algum tempo. São variados os motivos e pouco importa explora-los
agora. No entanto, seria incapaz de não escrever depois de uma noite gloriosa
como esta. Sobretudo porque vejo uma “vitória sem espinhas” a procurar ser
diluída por um gesto – consideram alguns - menos feliz do nosso treinador.
O futebol é um jogo
de emoções, com uma misticidade única, que une e afasta, a cada instante, milhares
de indivíduos. Qualquer jogo que não seja vivido dessa forma não merece sequer
ser jogado.
É evidente que a
responsabilidade dos intervenientes é maior quando se representam instituições
com projeção internacional. Não é no recreio de uma qualquer escola básica que
os gestos e atitudes são transmitidos em todas as televisões do mundo e
reportadas, com exploração ao limite, em todos os jornais e sites. Contudo e apesar do historial com
antecedentes do género de JJ, as crónicas sobre a suposta falta de ‘classe’
parecem-me manifestamente exageradas.
É conhecido (e, por
vezes, muito criticável!) o feitio de Jorge Jesus. Não é homem de ‘five o’clock
tea’, nem tão pouco dado a grandes regras de ‘etiqueta’. No entanto, a partir
de hoje, ninguém lhe poderá tirar o lugar de treinador do Sport Lisboa e
Benfica com mais coragem a jogar fora de casa em confrontos europeus. Algo que
só acontece graças à sua maneira de ser.
Jorge Jesus erra
taticamente e, frequentemente, na comunicação também. É casmurro, fanfarrão e
tem dificuldade em aprender com os erros. Perdeu títulos que todos lamentamos.
Reconheça-se, porém, que vai para cima dos adversários com unhas e dentes. Com
JJ à frente não há equipa do Benfica que não entre para ganhar e discutir o
jogo em que campo for, não há duelo sem emoção e a troca de galhardetes com o
banco adversário torna-se recorrente, se necessário!
A redoma de vidro em
que vive o Sport Lisboa e Benfica, sob o simbolismo de uma frase que eu próprio
utilizo muitas vezes “O Benfica é um clube de senhores”, tem de existir. Mas
também não exageremos. Dentro de um campo de futebol, onde a vida parece que
apenas tem 90 minutos e o coração quer sair pela boca, também se diz CARALHO,
MERDA e FODA-SE!
Sinceramente, eu
imagino lá no longínquo 17 de Fevereiro de 1907, dia em que o Sport Lisboa
venceu por 1-2 o Carcavellos, Manuel Gourlade e Fortunato Levy, treinador e
capitão, respectivamente, a provocarem os ingleses do Cabo Submarino com dois
dedos em forma de vitória. 107 anos depois, Jorge Jesus é a melhor personificação
desse espírito de guerrilha, digno de uma batalha em que é tudo ou não é nada!
Sobretudo num tempo e num espaço em que se repete de novo a opressão portuguesa
sob a alçada das grandes potências financeiras.
O Benfica fez-se de
cavalheirismo, é verdade. Mas também de bravura e, sobretudo, de vitórias. Com
Jorge Jesus no banco de suplentes, o Benfica já venceu ou eliminou fora de
casa, entre outros, Zenit, Everton, Marselha, Estugarda, Paris-Saint-Germain,
PSV Eindhoven, Leverkusen, Bordéus, Newcastle, Fenerbahce. Primeira mão fora ou
em casa. Tanto faz. É à Benfica! Quantos treinadores podem dizer o mesmo?
Hoje foi mais um
jogo para a história. A vitória por 1-3 sobre o Tottenham em Londres é o
espelho de uma equipa confiante, que joga sem medo e que orgulha os
benfiquistas presentes no estádio ou aqueles que estão em casa invejosos de perder
ao vivo mais uma magnífica jornada. Exemplo máximo disso é a reação da equipa
ao golo dos ingleses. Qualquer equipa sem uma mentalidade ganhadora
pré-definida, sucumbiria provavelmente a uma subida de rendimento da equipa
adversária por ter reduzido a desvantagem e começaria a colocar defesas para
segurar o resultado. Com o Benfica (de JJ) isso não aconteceu. Antes pelo
contrário: o jogo e a eliminatória tinham de ser sentenciados em White Hart
Lane já hoje. Por conseguinte, os três jogadores que saltaram do banco para
dentro do campo foram Gaitan, Enzo e Lima e só deu Benfica até ao minuto 93!
JJ FOREVER é uma
frase provocadora. Nada na vida pode ser para sempre. Muito menos no futebol
que depende tantas vezes de pequenas decisões ou fatores. Ainda assim, importa
lembrar sempre aquilo que Toni ou Sven-Goran-Eriksson conquistaram em 1988 e
1990, últimos dois anos em que finais europeias foram atingidas. Zero títulos.
Nem Europa, nem Campeonato, nem Taça. Não deixaram de ser por isso, durante
anos a fio, dois dos treinadores mais amados de sempre do Clube e que mais
saudades deixaram. Aliás, a última grande vitória de Eriksson, hoje muito
justamente lembrada, foi também em Londres, frente ao Arsenal por 1-3... na 2ª
eliminatória da Liga dos Campeões 1991/1992, ano em que também não foi Campeão
Nacional, nem conquistou a Taça de Portugal.
Sei, por consciência
e, por certo, várias pessoas o podem corroborar de que nunca fui favorável à
saída de Jorge Jesus no final da época passada ou início desta, quando aliás
seria o momento mais oportuno para o deitar abaixo.
A verdade é que de
uma equipa totalmente desmotivada no início da época e com cinco pontos de
atraso, neste momento, o cenário volta a compor-se para os benfiquistas com 7
pontos de avanço no Campeonato Nacional, à porta dos Quartos-de-final da Liga
Europa e com as duas meias-finais da Taça de Portugal e Taça de Liga por
disputar.
Pode dizer-se que
nunca nenhum treinador teve os jogadores que Jesus tem à disposição. Não é
verdade. Quique Flores, Fernando Santos e muitos outros treinadores também tiveram
acesso a grandes equipas. Nunca tiveram foi a coragem de, num estádio mítico do
futebol mundial, sofrer um golo, responder com outro e levantar três dedos como
quem diz no seu tom bem característico e com erros de linguística: “Isto é nosso,
percebestes...?”. E tão que estava a ser, com a exibição de gala dentro do
campo e os cânticos do SLB em coro.
As batalhas ganham-se
em todas as frentes. Por isso, desta vez, não culpo JJ pelo gesto pouco
refletido. Só ‘malucos’ como este é que motivam ‘malucos’ como o Enzo e fazem
do Fejsa, do Ruben e de todos os outros enormes jogadores. Malta trabalhadora e
que não desiste perante as adversidades, tal como os benfiquistas e os
portugueses se revêm e gostam.