sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Benfica de Cosme


2 de Novembro de 2012. Multiplicam-se os textos e as frases de agradecimento do papel de Cosme Damião na fundação do nosso clube. Quem gosta de enunciar a História, sobretudo a de um clube desta dimensão, só o pode fazer relembrando o passado, criticando o presente e projectando o futuro. E, realmente, a efeméride não poderia ser mais justa. Comemoram-se 127 anos sobre o nascimento de um dos nossos fundadores e aquele que, provavelmente, desempenhou, com maior incidência, o papel impulsionador e de estabilização nos primeiros anos de afirmação do clube. No entanto, ao contrário de muitas das análises que encontro escritas e do reconhecimento de que existem várias diferenças entre o Benfica de Cosme e o Benfica de hoje em dia, numa análise justa e atenta, são também várias as parecenças.

A 28 de Fevereiro de 1904, data de fundação do Grupo Sport Lisboa, Cosme Damião tinha 18 anos de idade. Mais velho de seis irmãos e órfão de Pai desde os 10, foi entregue, pela Mãe Rosa Maria, à Real Casa Pia de Lisboa, localizada junto ao Mosteiro dos Jerónimos. Embora só tenha "terminado o seu aprendizado" e estivesse "apto a ganhar os próprios meios de vida" a 1 de Setembro de 1904, foi o suposto autor da acta de fundação do clube naquele dia, onde constam 23 nomes por ordem alfabética e três cargos (presidente, tesoureiro e secretário) nomeados para a comissão administrativa.

Apenas titular nas segundas categorias do clube e com pouca utilização no plantel principal durante os primeiros anos de existência do clube, não foi titular a 11 de Fevereiro de 1907 na primeira vitória (2-1) de uma equipa portuguesa sobre o Carcavellos, do Cabo Submarino, potência futebolística da época. Contudo, foi a principal figura de combate á crise que eclodiu no Sport Lisboa, no "Verão quente" de 1907, em que o Sporting "levou" 8 jogadores da equipa principal. Juntamente com Félix Bermudes e Marcolino Bragança, Cosme Damião viria a ter o papel determinante na manutenção do clube e na origem do Sport Lisboa e Benfica, a 13 de Setembro de 1908, por fusão do anterior com o Sport Clube de Benfica.

Dessa data em diante, Cosme Damião foi, durante duas dezenas de anos, jogador, treinador, dirigente e jornalista numa vida inteira de dedicação ao Sport Lisboa e Benfica. Sonhou, de facto, uma colectividade, que, nas palavras de Cândido de Oliveira se viria a tornar "o maior clube português". Tinha, no entanto, uma concepção de futebol muito diferente daquele que o Benfica é hoje, mas também diferente daquele que era já nos anos 30, 40 ou 60. Assim, foi a adopção para um modelo profissional para o futebol, defendida por uma nova “fornada” de dirigentes em meados dos anos 20 e liderada por Ribeiro dos Reis, a principal razão da saída de Cosme Damião dos órgãos sociais do clube. Embora convidado para encabeçar a lista de oposição a Bento Mântua (de quem era vice-presidente), decidiu colocar-se à margem dessas eleições por falta de identificação com o modelo "futuro" do Benfica, que foi sufragado pelos sócios, e que veio mais tarde - reconheça-se - a dar ao clube tantas vitórias. Era um ferrenho defensor do amor à camisola e rejeitava liminarmente que qualquer atleta tivesse de ser pago para vestir o manto sagrado do Benfica. Embora a beleza do discurso - e talvez Cosme até tivesse razão tal a podridão que o futebol atingiu, ao longo dos anos e até hoje, por essa vil motivação – o dinheiro e o sucesso do futebol já se tinham tornado indissociáveis.

Apesar desta saída prematura do clube (voltou a ser presidente da mesa da assembleia geral, mas não voltou a exercer cargos executivos), em 1911, ainda como Capitão-Geral, dera uma entrevista reveladora da sua ideia, já moderna para a época, do Sport Lisboa e Benfica como instituição e como clube. Desejava uma colectividade eclética, mas sobretudo focada no futebol, com infra-estruturas próprias destinadas ao seu sucesso. Já imaginava filiais e associações espalhadas pelo país e pelo mundo. E, usando a força motriz do clube, era um feroz defensor da formação e da educação dos sócios e adeptos do ponto de vista cultural, social e recreativo.

Analisando, sem injustiça, os tempos de hoje, julgo que deve ser reconhecido que os últimos mandatos são dos que mais têm ajudado o clube a cumprir as três primeiras ideias de Cosme: a manutenção da sede do Benfica no novo estádio da Luz, o centro de estágios, a aposta nas modalidades, mas com especial enfoque no futebol (apesar dos títulos em proporcionalidade inversa) e o crescimento do número de sócios e de casas do Benfica.

Pouco interessa agora dissecar sobre o passivo ou o recente processo eleitoral do clube, de vitória incontestável. Todavia, quanto à última premissa de Cosme - formação e a educação dos sócios e adeptos do ponto de vista cultural, social e recreativo - é talvez onde mais se tem falhado nos últimos anos. Apesar da Fundação Benfica e do seu bom trabalho desenvolvido, o clube que um dia deu lições de associativismo e democracia ao país, está hoje a “deseducar” os seus dos mais fiéis princípios. É certo também que os tempos mudaram, mas Cosme Damião dava também especial relevância e primor às boas relações institucionais pela defesa comum do Desporto e não hesitava em castigar, de forma acérrima, os jogadores que, dentro ou fora do campo, de alguma forma, envergonhassem o bom nome e a camisola do Sport Lisboa e Benfica.

Só o entusiasmo das vitórias futuras assegurará que se mantenham escritas a papel de linho as vitórias reais e adquiridas no passado. No entanto, é importante nunca esquecer que uma das grandes virtudes da matriz histórica do Benfica e que o tornou glorioso foi ter sido fundado por um grupo composto por vários indivíduos de diferentes realidades sociais (pelo menos 24), o que simboliza que a decisão foi tomada em democracia e não pela vontade exclusiva de uma pessoa.

Quando se quis dar o nome do estádio (e também de uma Taça) a Cosme Damião, este respondeu sempre sem dúvidas: "Dêem-lhe o nome de Sport Lisboa e Benfica". O Benfica fez-se grande por ser simples e do povo e "ninguém está acima do Benfica." Nunca é demais todos nos relembrarmos disto. E, neste caso, melhor data não poderia ser escolhida.

Obrigado Cosme Damião. Obrigado Sport Lisboa e Benfica.




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