Assisto, impávido e sereno, a muitas acusações entre
benfiquistas. Discussões sem elevação no trato e no argumento pouco me
interessam. Provavelmente, também pouco me darão essa importância e saberão
quem sou, mas, no fundo, tudo o que não é “à Benfica” não merece o meu “gosto” ou participação com “comentário”.
A liberdade, em democracia, acaba onde começa a dos
outros. E este texto não pretende de todo criticar as formas de expressão de
cada um e muito menos pretende fazer juízos de valor sobre cada mensagem que
cada benfiquista escreve sobre o seu clube. Mas há muito trabalho pedagógico
por fazer – que devia ser levado a cabo maioritariamente por quem chefia o
clube - sobre o que é o Benfica e também sobre o que é a democracia, no passado
“quase” sinónimos indistintos.
Se, por um lado, o
regresso de fantasmas de um passado recente tem
servido, de forma indecente, como desculpa para que tudo se permita fazer em
todos os documentos (estatutos e suas normas sobre regulamentadoras, por
exemplo), assembleias gerais, órgãos sociais e de comunicação do Benfica, por
outro, o discurso oposicionista não é maduro, preparado e não pode usar, à viva
voz, espíritos benfiquistas que não estão entre nós em vão sem conhecer a sua
verdadeira história.
Cosme Damião, de facto, sonhou um clube, mas tinha
uma concepção de futebol muito diferente daquele que o Benfica é hoje, mas
também diferente daquele que era já nos anos 30, 40 ou 60. A adopção do clube
para um modelo profissional para o futebol, defendida por uma nova “fornada” de
dirigentes em meados dos anos 20 liderada por Ribeiro dos Reis, foi a razão da
saída de Cosme Damião dos órgãos sociais do clube. Embora convidado para
encabeçar a lista de oposição a Bento Mântua(de quem era Vice-Presidente),
decidiu colocar-se à parte por falta de identificação com o modelo
"futuro" do Benfica, que foi sufragado pelos sócios, e que mais tarde veio dar ao
clube tantas vitórias. Era um ferrenho defensor do amor à camisola e rejeitava
liminarmente que qualquer atleta tivesse de ser pago para vestir o manto
sagrado do Benfica. Embora a beleza do discurso - e talvez Cosme até tivesse
razão tal a podridão que o futebol atingiu, ao longo dos anos e até hoje, por
essa vil motivação – o dinheiro e o sucesso do futebol já se tinham tornado
indissociáveis.
Apesar desta saída do clube, alguns anos antes, em
1911, como Capitão-Geral dera uma entrevista reveladora da sua ideia, já
moderna para a época, do Sport Lisboa e Benfica como instituição e como clube.
Desejava uma colectividade eclética, mas sobretudo focada no futebol com
infraestruturas próprias destinadas ao seu sucesso. Já imaginava filiais e
associações espalhadas pelo país e pelo mundo. E, usando a força motriz do
clube, era um feroz defensor da formação e da educação dos sócios e adeptos do
ponto de vista cultural, social e recreativo.
Analisando, sem injustiça, os tempos de hoje, julgo
que deve ser reconhecido que os últimos mandatos são dos que mais têm ajudado o
clube a cumprir as três primeiras ideias de Cosme: a sede do Benfica no Estádio
da Luz, o centro de estágios, a aposta nas modalidades, mas com especial
enfoque no futebol (apesar dos títulos em proporcionalidade inversa) e o
crescimento do número de sócios e de casas do Benfica.
Quanto à última premissa - formação e a educação dos
sócios e adeptos do ponto de vista cultural, social e recreativo - é, porém, talvez
onde mais estes órgãos sociais têm falhado. Apesar da Fundação Benfica e do seu
bom trabalho desenvolvido, o clube que um dia deu lições de associativismo e
democracia ao país, está hoje a “deseducar” os seus dos fieis princípios.
A começar pelo desrespeito pela mera
ideia de opinião contrária e pelo fomentar de uma guerrilha cujas munições são
todo o tipo de epítetos , se há coisa que devemos questionar na vida é
porque será que somos os únicos a fazer determinadas coisas ? Será que
inventámos mesmo ou outros não fizeram porque não fazia sentido ? Apenas para
que sirva de exemplo, usemos a ideia do voto electrónico, consagrado nos
estatutos para ser utilizado aquando das eleições para que estas aconteçam em
simultâneo por todos os lugares do Mundo.
Embora
a ideia de alargar o colégio eleitoral seja interessante, impossibilita que o
voto de cada associado seja livre, autónomo e independente . Será por acaso que
em todas as democracias por esse mundo fora é precisamente através do voto em
papel e do voto com antecedência por correio ("gozar" com o Pombo
Correio é, pois, de uma total iliteracia democrática) que se votam as listas ?
Existem razões para isso : em primeiro lugar, é preciso garantir a presença de
membros de todas as listas (não elementos da Prosegur...) nos locais de voto –
de forma a garantir a idoneidade - e porque apenas o voto físico é passível de
ser recontado, um direito que assiste a qualquer lista candidata. Outra razão é
a possibilidade de existência de "votos nulos" com mensagens escritas
que são outra forma de liberdade e democracia e não apenas “brancos” ou “nas
listas”.
Os críticos
levantarão logo exemplos de outros lugares no Mundo, como no Brasil, que assim
também se faz. Nessa jovem democracia faz-se, é verdade. Mas com acompanhamento
de voto físico, pelas razões atrás explicitadas. É assim mesmo "essa coisa
muito chata", chamada democracia, que precisa de regras claras e
frequentemente de muitas horas de espera para se fazer cumprir, pois o voto de
cada um tem de ser respeitado.
O Benfica é
(e deve ser sempre) uma educação moral e social para as pessoas. É uma
associação, movida por paixão, onde todos temos de ter a humildade de aprendemos
uns com os outros. Assim, não me
sentiria bem comigo mesmo se, antes de me deslocar até à importante Assembleia
Geral que hoje decorrerá no Estádio da Luz, não viesse aqui afirmar que julgo que
tanto o nome do Cosme Damião, como até o do próprio Benfica, têm
sido frequentemente usados em vão como armas populistas de pré-campanha.
Só o
conhecimento da história pode mostrar a todos os benfiquistas – defensores ou
não defensores dos atuais corpos dirigentes -
que o nível de “debate” e “invocação do passado” a que estamos a chegar
é em tudo o inverso daquilo que é e fez o Glorioso: um clube com deferência institucional, democrático,
respeitoso da sua (verdadeira) história, sem ofensas e guerrilhas entre os seus
adeptos, nacional e, quando não caminha contra a sua natureza, vitorioso.
Eleve-se o nível e o discurso na Assembleia Geral (e
todos os dias) !
Viva o Benfica !
Nota: Na fotografia, o jovem com o pin do Benfica é o Capitão de Abril Salgueiro Maia .
Apesar das divergências que possa ter com as colunas de opinião que existem neste blogue, a verdade é que também defendo a elevação e o debate como bandeiras que cada benfiquista deve possuir na hora de usar os seus argumentos!
ResponderEliminarPartilho e comungo da ideia essencial do texto, mas infelizmente, sinto que os associados começam a cair num radicalismo tipico da clubite, onde não interessa debater os interesses do Benfica, mas sim outras causas...
que a paixão que nos une, não seja motivo da discórdia, porque como bem disse o grande homem e benfiquista Mário Wilson, em termos futebolisticos o valor mais alto que se levanta chama-se Benfica!
Espero que os sócios aprendam a debater com elevação, dignidade, com espirito crítico, mas construtivo! Para deitar abaixo, já bastam os antis!
Sublinho todos as palavras do seu comentário... Como alguém disse hoje na Assembleia "só lá vamos todos juntos..."
EliminarUm abraço