quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Cosme em vão



Assisto, impávido e sereno, a muitas acusações entre benfiquistas. Discussões sem elevação no trato e no argumento pouco me interessam. Provavelmente, também pouco me darão essa importância e saberão quem sou, mas, no fundo, tudo o que não é “à Benfica” não merece o meu  “gosto” ou participação com “comentário”.

A liberdade, em democracia, acaba onde começa a dos outros. E este texto não pretende de todo criticar as formas de expressão de cada um e muito menos pretende fazer juízos de valor sobre cada mensagem que cada benfiquista escreve sobre o seu clube. Mas há muito trabalho pedagógico por fazer – que devia ser levado a cabo maioritariamente por quem chefia o clube - sobre o que é o Benfica e também sobre o que é a democracia, no passado “quase” sinónimos indistintos.

Se, por um lado, o regresso de fantasmas de um passado recente tem servido, de forma indecente, como desculpa para que tudo se permita fazer em todos os documentos (estatutos e suas normas sobre regulamentadoras, por exemplo), assembleias gerais, órgãos sociais e de comunicação do Benfica, por outro, o discurso oposicionista não é maduro, preparado e não pode usar, à viva voz, espíritos benfiquistas que não estão entre nós em vão sem conhecer a sua verdadeira história.

Cosme Damião, de facto, sonhou um clube, mas tinha uma concepção de futebol muito diferente daquele que o Benfica é hoje, mas também diferente daquele que era já nos anos 30, 40 ou 60. A adopção do clube para um modelo profissional para o futebol, defendida por uma nova “fornada” de dirigentes em meados dos anos 20 liderada por Ribeiro dos Reis, foi a razão da saída de Cosme Damião dos órgãos sociais do clube. Embora convidado para encabeçar a lista de oposição a Bento Mântua(de quem era Vice-Presidente), decidiu colocar-se à parte por falta de identificação com o modelo "futuro" do Benfica, que foi sufragado pelos sócios, e que mais tarde veio dar ao clube tantas vitórias. Era um ferrenho defensor do amor à camisola e rejeitava liminarmente que qualquer atleta tivesse de ser pago para vestir o manto sagrado do Benfica. Embora a beleza do discurso - e talvez Cosme até tivesse razão tal a podridão que o futebol atingiu, ao longo dos anos e até hoje, por essa vil motivação – o dinheiro e o sucesso do futebol já se tinham tornado indissociáveis.

Apesar desta saída do clube, alguns anos antes, em 1911, como Capitão-Geral dera uma entrevista reveladora da sua ideia, já moderna para a época, do Sport Lisboa e Benfica como instituição e como clube. Desejava uma colectividade eclética, mas sobretudo focada no futebol com infraestruturas próprias destinadas ao seu sucesso. Já imaginava filiais e associações espalhadas pelo país e pelo mundo. E, usando a força motriz do clube, era um feroz defensor da formação e da educação dos sócios e adeptos do ponto de vista cultural, social e recreativo.

Analisando, sem injustiça, os tempos de hoje, julgo que deve ser reconhecido que os últimos mandatos são dos que mais têm ajudado o clube a cumprir as três primeiras ideias de Cosme: a sede do Benfica no Estádio da Luz, o centro de estágios, a aposta nas modalidades, mas com especial enfoque no futebol (apesar dos títulos em proporcionalidade inversa) e o crescimento do número de sócios e de casas do Benfica.

Quanto à última premissa - formação e a educação dos sócios e adeptos do ponto de vista cultural, social e recreativo - é, porém, talvez onde mais estes órgãos sociais têm falhado. Apesar da Fundação Benfica e do seu bom trabalho desenvolvido, o clube que um dia deu lições de associativismo e democracia ao país, está hoje a “deseducar” os seus dos fieis princípios.

A começar pelo desrespeito pela mera ideia de opinião contrária e pelo fomentar de uma guerrilha cujas munições são todo o tipo de epítetos , se há coisa que devemos questionar na vida é porque será que somos os únicos a fazer determinadas coisas ? Será que inventámos mesmo ou outros não fizeram porque não fazia sentido ? Apenas para que sirva de exemplo, usemos a ideia do voto electrónico, consagrado nos estatutos para ser utilizado aquando das eleições para que estas aconteçam em simultâneo por todos os lugares do Mundo.

Embora a ideia de alargar o colégio eleitoral seja interessante, impossibilita que o voto de cada associado seja livre, autónomo e independente . Será por acaso que em todas as democracias por esse mundo fora é precisamente através do voto em papel e do voto com antecedência por correio ("gozar" com o Pombo Correio é, pois, de uma total iliteracia democrática) que se votam as listas ? Existem razões para isso : em primeiro lugar, é preciso garantir a presença de membros de todas as listas (não elementos da Prosegur...) nos locais de voto – de forma a garantir a idoneidade - e porque apenas o voto físico é passível de ser recontado, um direito que assiste a qualquer lista candidata. Outra razão é a possibilidade de existência de "votos nulos" com mensagens escritas que são outra forma de liberdade e democracia e não apenas “brancos” ou “nas listas”.

Os críticos levantarão logo exemplos de outros lugares no Mundo, como no Brasil, que assim também se faz. Nessa jovem democracia faz-se, é verdade. Mas com acompanhamento de voto físico, pelas razões atrás explicitadas. É assim mesmo "essa coisa muito chata", chamada democracia, que precisa de regras claras e frequentemente de muitas horas de espera para se fazer cumprir, pois o voto de cada um tem de ser respeitado.
O Benfica é (e deve ser sempre) uma educação moral e social para as pessoas. É uma associação, movida por paixão, onde todos temos de ter a humildade de aprendemos uns com os outros. Assim, não me sentiria bem comigo mesmo se, antes de me deslocar até à importante Assembleia Geral que hoje decorrerá no Estádio da Luz, não viesse aqui afirmar que julgo que tanto o nome do Cosme Damião, como até o do próprio Benfica, têm sido frequentemente usados em vão como armas populistas de pré-campanha.

Só o conhecimento da história pode mostrar a todos os benfiquistas – defensores ou não defensores dos atuais corpos dirigentes -  que o nível de “debate” e “invocação do passado” a que estamos a chegar é em tudo o inverso daquilo que é e fez o Glorioso: um clube com deferência institucional, democrático, respeitoso da sua (verdadeira) história, sem ofensas e guerrilhas entre os seus adeptos, nacional e, quando não caminha contra a sua natureza, vitorioso.

Eleve-se o nível e o discurso na Assembleia Geral (e todos os dias) !
Viva o Benfica !


Nota: Na fotografia, o jovem com o pin do Benfica é o Capitão de Abril Salgueiro Maia .

2 comentários:

  1. Apesar das divergências que possa ter com as colunas de opinião que existem neste blogue, a verdade é que também defendo a elevação e o debate como bandeiras que cada benfiquista deve possuir na hora de usar os seus argumentos!

    Partilho e comungo da ideia essencial do texto, mas infelizmente, sinto que os associados começam a cair num radicalismo tipico da clubite, onde não interessa debater os interesses do Benfica, mas sim outras causas...

    que a paixão que nos une, não seja motivo da discórdia, porque como bem disse o grande homem e benfiquista Mário Wilson, em termos futebolisticos o valor mais alto que se levanta chama-se Benfica!

    Espero que os sócios aprendam a debater com elevação, dignidade, com espirito crítico, mas construtivo! Para deitar abaixo, já bastam os antis!

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    1. Sublinho todos as palavras do seu comentário... Como alguém disse hoje na Assembleia "só lá vamos todos juntos..."

      Um abraço

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